domingo, 24 de julho de 2011

Sina

Anteriormente na saga de Zara, o caçador de anjos:


"Vocês ouvirão, mas não entenderão;
olharão, mas não enxergarão nada.
Pois a mente deste povo está fechada:
Eles taparam os ouvidos
e fecharam os olhos." (O Evangelho de Mateus, 13. 14-15)



O ferro oxidado das correntes da algema raspavam em um barulho irritante enquanto dois policiais seguravam meus ombros como se tivessem qualquer poder sobre mim. Nós três andávamos calmamente pela delegacia como um trio de amigos tomando sorvete em um shopping center. Só faltavam as lojas, as pessoas animadas, os sorvetes... e os amigos.
(Tudo bem, não parecia nada com uma andança no shopping, era mais uma caminhada pelo apocalipse.)
Entrei numa sala. O delegado — que parecia com os guardas e com oitenta por cento das pessoas, afinal eu estava no bairro de Adachi, em Tóquio, e a Ásia inteira saiu da mesma fôrma — olhava por trás de seus óculos ovalados querendo me repreender ou algo assim. Quando me sentei, senti que seus olhos ainda me acompanhavam.
— Como você está? — Ele perguntou, naquela rapidez da língua japonesa. 
— Algemado.
— Senhor Zara, isso aqui é sério. Se você continuar com essas piadas, vai ter que levar umas palmadinhas na cara.
Não sei até hoje se ele estava tentando ser sério ou debochado com essas palavras. Só sei que um sorriso escapou no canto da minha boca e eu murmurei desculpas nada sinceras. Os policiais já tinham saído do local e esperavam do lado de fora. As algemas ainda irritavam minha pele humana.
— Conte-me o que aconteceu detalhadamente.
— O qu te contaram sobre ontem?
— Eu faço as perguntas aqui — Assumo, eu sou abusado. Oras, eu não vou morrer, pra quê vou me preocupar? — O que aconteceu naquele hospital?
— Entrei nele por volta das seis e meia. A criança estava no berçário, dormindo como um querubim — Minha voz estava firme demais, estava parecendo um psicopata. E isso não era bom — Quando eu estava pronto para enviá-la de volta ao céu, a enfermeira chegou e bateu em mim com uma bandeja ou algo assim. Aí apareceram so seguranças, a polícia... e bem, estou aqui, olhando para você.
A história não foi bem assim. Eu não seria tão facilmente detido por uma enfermeira.
Quando cheguei no pequeno berço hospitalar, lá estava ela. "HARUME, Reiko", dizia a tornozeleira de identificação dela. Seus olhinhos estavam fechados, era uma coisa linda de se ver. Na minha terra ela era Belá, um anjo exibido e vaidoso que só estava na Terra para se gabar desse feito. Um dia ele foi meu amigo, confesso.
Voltando à Reiko, eu fiquei olhando aquele corpo frágil enchendo e esvaziando com a respiração e uma estranha comoção me invadiu. O tempo em que havia vivido com humanos até então tinha surtido um efeito negativo em mim: A criação de emoções. E aí, notei que emoções só servem para atrapalhar nossas missões.
Refleti tanto em frente à criança que a enfermeira notou minha presença no berçário e me atacou ao ver a adaga que eu tirava com lerdeza da minha cintura. Foi tudo tão rápido que nem tive coragem de reagir, poderia provocar mortes desnecessárias. Então, me deixei ser levado para a sala daquele delegado arrogantemente bobo.
De certo modo, ser humano é divertido.
— Sabe, Zara... — O delegado gordo e calvo arrumou seus óculos sobre o nariz e se ajeitou na cadeira pequena demais para suas adiposidades — Você não tem documentos, você nunca foi visto pelas redondezas... Você parece ter caído do céu.
(Na verdade...)
— O que eu quero saber é por que você queria matar a recém-nascida. Por quê, Zara? Por quê?
— Senhor, a recém-nascida é um anjo.
— Toda criancinha é um anjo, é o que dizem.
— Você não me entendeu.
O gordo franziu a sobrancelha como se dissesse "eu entendi, seu babaca". Só que a verdade sobre os fatos ia muito além do rostinho angelical de Reiko. Você sabe disso, claro.
— Ela é um anjo.
— Então, ela...
— Um anjo. Anjo — Repeti para dar ênfase. Apontei para o alto pra ver se ele entendia de fato, mas o delegado ainda estava matutando.
— Você quer dizer... que ela veio do céu?
— Sim.
Lembra do papo das emoções que eu falei? Então, naquele momento outra delas surgiu em desenvolvimento na minha psique — se é que tenho psique, alma ou coisas assim: A raiva.
O delegado olhou para mim em silêncio, depois desatou em uma risada intragável e rouca. Suas banhas pareciam obstruir as pregas vocais, era tosco de se ouvir. E ele ria olhando para mim, o que me deu uma vontade repentina de ter um rifle na cintura em vez da adaga.
Mas Ele me disse "sem mortes desnecessárias, Zara". Tudo bem, sem mortes. No entanto, teria que haver uma lição.
— E você é o quê, um caçador de anjos? — Ele perguntou, ainda entre as risadas defeituosas.
— Eu também vim do céu.
— Ah é? Então prove, anjo. Não estou vendo nenhuma asa atrás de você, nenhuma auréola em sua cabeça... você parece tão anjo quanto eu.
(Ah, teria que haver uma lição. Nem que fosse fazer uma redução do estômago dele com a minha adaga.)
— Eu não posso provar que sou um anjo — Levantei da cadeira, o que fez o delegado diminuir um pouco a risada — Mas posso provar que não sou como você.
— Espera um pouco — O gordo pegou um celular daqueles com rádio e chamou os policiais que estavam na porta. Eles entraram com aquele rosto nada amigável, bem diferente de alguém tomando sorvete no shopping — Olhem esse cara. Ele quer dar um showzinho pra gente.
Já era noite, todas as luzes da delegacia estavam acesas. Senti que aquela era a oportunidade para brincar um pouco com a sanidade das pessoas. Sei que Ele pediu para que eu mantivesse discrição, mas eu estava me tornando humano demais para ignorar a ingenuidade alheia.
Concentrei minhas forças na luzes. Todas as lâmpadas, televisores, monitores de computador. Senti cada fagulha de luminosidade em volta da minha própria energia. Eles começaram a oscilar, o que fez muita gente parar de fazer suas tarefas para dar aquela olhadela para o alto. E aí, suguei tudo. Essas luzes entraram pelos meus poros e circularam em minha volta, enquanto a delegacia ficava no breu. As risadas cessaram, o falatório cessou, a delegacia cessou naquele momento em que eu era o único ponto de luz do local. Um homem iridescente de quase um metro e oitenta.
O delegado à minha frente era só uma sombra apavorada. Provavelmente estava querendo chorar no colo da mamãe ao me ver lá, ao mesmo tempo algemado e com poder o bastante para explodir o prédio inteiro. Ele finalmente percebeu que era pequeno diante de mim. Estava tudo claro para ele agora.
(Pegou o trocadilho, né? Desculpe-me, é o convívio.)
— Eu sou pura energia. Eu posso ser o que eu quiser, e se você não acredita em mim — Olhei bem fundo nos olhos dele, irradiando o medo em suas retinas engorduradas — Não irá acreditar em mais nada.
Deixei as luzes saírem. Em poucos segundos, a oscilação voltou e aí tudo estava aceso de novo. Eu era só mais um no mundo, mas o delegado não estava mais no controle da situação.
— Vocês ainda têm muito a aprender — Eu dizia, sentindo uma desconfortável tristeza sobre mim. Abaixei os olhos e mirei o vácuo enquanto todos me olhavam pelas janelas gigantescas da delegacia — Eu não sou o único entre os humanos. Vocês veem o mundo como um espelho, veem dele o que querem ver. Mas a verdade... o que vocês deveriam ver... está do outro lado. Muito além de... algemas  Quebrei aquele ferro retorcido com um tranco feito por ambos os punhos, e desvaneci.
Começo a pensar que Deus não me mandou aqui para caçar anjos. Olhando meu novo cabelo ruivo em uma vitrine na rua — estava pensando em me tornar uma mulher por um tempo, pode ser interessante —, parece que a raça humana anda perdida demais, e precisa de algo para guiá-las. Uma religião, uma música, um vestido vermelho com vários bababos inúteis que estou vendo agora atrás da vitrine. Talvez eu esteja aqui para guiar, ou para me perder junto deles.
Volto à entrada o hospital, mas algo me diz para esquecer da pequena senhorita Harume, pelo menos por enquanto. Virei o rosto para os carros na avenida e saquei um cigarro do bolso — uma das coisas boas que estão na cartilha "Anjo vs. Humano: Vantagens e Desvantagens". A coisa ruim é que logo depois de fumá-lo eu tenho que trocar de roupa, o cheiro da nicotina, alcatrão e centenas de substâncias gruda no tecido que é uma beleza.
Enfim, chega de tergiversar. Encarei cada vida que passava em cada carro. Pensei para onde iam, de onde vinham. Seus futuros, seus passados. Olhei minha situação na Terra e concluí que não era tão diferente dessas pessoas nos carros. Todos estamos boiando no meio de um oceano cheio de conflitos e de emoções. Essa é a sina que todo ser vivente tem que carregar nas costas endurecidas pelo tempo: Não sabermos a missão, mas mesmo assim cumpri-la.
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Saudaaaaaaades do meu querido Zara ! :D
Gente, como estou fazendo as coisas na pressa aqui na lan house, se tiver algum erro de digitação comenta aqui, please. Eu arrumo, deleto o comentário e o mundo fica azul, okay?
Espero que tenham gostado, porque eu... putz, eu amei, hahahahaha
Tschüss!

(p.s.: Deu alguma coisa errada na formatação, o começo do texto tem menos espaçamento que o resto. Algum staff aí por favor arrume, se conseguir, porque eu não tive sucesso. Grato :D )

2 comentários:

  1. Puxa que história *--*
    Não precisa arrumar NADA, ficou perfeito u.ú

    Gostei muito daqui, ti sigo

    Beju :D

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  2. Realmente uma narrativa impressionante *-* sou sua fã *0*

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